COMISSÃO NACIONAL DE FOLCLORE
Esta Carta está em fase de releitura para o XVI Congresso Brasileiro de Folclore
Esta Carta está em fase de releitura para o XVI Congresso Brasileiro de Folclore
CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO
O VIII Congresso Brasileiro de Folclore, reunido em Salvador, Bahia, de 12 a 16 de dezembro de 1995, procedeu à releitura da Carta do Folclore Brasileiro, aprovada no I Congresso Brasileiro de Folclore, realizado no Rio de Janeiro, de 22 a 31 de agosto de 1951.Esta releitura, ditada pelas transformações da sociedade brasileira e pelo progresso das Ciências Humanas e Sociais, teve a participação ampla de estudiosos de folclore, dos diversos pontos do país, e também teve presente as Recomendações da UNESCO sobre Salvaguarda do Folclore, por ocasião da 25ª Reunião da Conferência Geral, realizada em Paris em 1989 e publicada nBoletim nº 13 da Comissão Nacional de Folclore, janeiro/abril de 1993.
A importância do folclore como parte integrante do legado cultural e da cultura viva, é um meio de aproximação entre os povos e grupos sociais e de afirmação de sua identidade cultural.
Capítulo I - CONCEITO
1. Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social.
Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter-se-á no singular, embora entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos naturais e econômicos específicos.
2. Os estudos de folclore, como integrantes das Ciências Humanas e Sociais, devem ser realizados de acordo com metodologias próprias dessas Ciências.
3. Sendo parte integrante da cultura nacional, as manifestações do folclore são equiparadas às demais formas de expressão cultural, bem como seus estudos aos demais ramos das Humanidades. Consequentemente, deve ter o mesmo acesso, de pleno direito, aos incentivos públicos e privados concedidos à cultura em geral e às atividades científicas.
Capítulo II - PESQUISA
1. A pesquisa em folclore pede, na atualidade, um reaparelhamento metodológico dos pesquisadores, combinando os procedimentos de investigação e de análise proveniente das diversas áreas das Ciências Humanas e Sociais.
2. A pesquisa folclórica produtiva será aquela que constituir avanço teórico na compreensão do tema e em resultados práticos que beneficiem os agrupamentos estudados, objetivando também a auto-valorização do portador e do seu grupo quanto à relevância de cada expressão, a ser preservada e transmitida às novas gerações.
3. Recomenda-se o desenvolvimento de programas de pesquisas integradas, regionais e nacionais, sobre temas específicos, com metodologias comuns, com o objetivo de propiciar estudos comparativos.
4. Recomenda-se, como metodologia de pesquisa, atuação participativa, integrando pesquisador e pesquisado em todas as etapas de apreensão, compreensão e devolução dos resultados da pesquisa à comunidade.
5. Recomenda-se a organização de núcleos de pesquisas científicas e multidisciplinares.
Capítulo III - ENSINO E EDUCAÇÃO
Recomenda-se:
1. Desenvolver ação conjunta entre os Ministérios da Cultura e da Educação a fim de que o conteúdo do folclore e da cultura popular seja incluído nos níveis de 1º e 2º graus
Rua da Aurora 127/203 – 50060-010 – Recife (PE) Brasil
Telefone/fax (81) 32.22.61.58 – Endereço eletrônico: folclorebrasil@yahoo.com.br COMISSÃO NACIONAL DE FOLCLORE e como disciplina específica do 3º grau de forma mais ampla, incluindo enfoque teórico e prático através do ensino regular, de oficinas, de observações e de iniciação às pesquisas bibliográficas e de campo.
2. Considerar a cultura trazida do meio familiar e comunitário pelo aluno no planejamento curricular, com vistas a aproximar o aprendizado formal e não formal, em razão da importância de seus valores na formação do indivíduo.
3. Envolver os educadores de diferentes matérias em torno do folclore, considerando-o um amplo campo de ação para os estudos e a prática da multidisciplinaridade.
4. Buscar assessoramento para a ação pedagógica relacionada ao folclore junto a nstituições de estudo e pesquisa e/ou especialistas.
5. Manter, ampliar e melhorar a oferta de cursos de Folclore com vistas ao aperfeiçoamento dos especialistas em exercício na área do Folclore e a reciclagem de professores, a fim de que possam recorrer à produção científica mais recente, que veicule uma visão contemporânea do folclore/cultura popular.
6. Intensificar a promoção de cursos de Folclore aplicado à Escola que envolvam, além da temática geral, o aprendizado de técnicas de construção artesanal e arte popular, a prática de grupos vocacionais e instrumentais, com repertório de música folclórica, direcionado a professores de 1º e 2º graus, propiciando-lhes condições para que deles participem.
7. Incluir o ensino de Folclore nos cursos de 2º grau (Habilitação/Magistério), nos cursos de Comunicação, de Artes, de Educação Física, de História, de Geografia, de Turismo, nos Conservatórios e Academias de Artes em geral, Faculdades de Ciências Humanas e Sociais, de Pedagogia, de Serviço Social.
8. Designar para lecionar a disciplina Folclore os professores com especialização na área ou em outras disciplinas afins com reconhecida experiência.
9. Fomentar a criação de Cursos de Graduação e/ou Pós-Graduação que formem especialistas direcionados à pesquisa da cultura popular.
1 Incorporar o tema folclore aos programas do PET (Programa Especial de Treinamento) e outros programas, tais como Monitoria e Iniciação Científica, a estudantes participantes de pesquisa de folclore.
11. Enfatizar a importância da participação de portadores de folclore nas atividades de ensino/aprendizagem em todos os níveis.
12. Orientar a rede escolar para que as datas relativas ao Folclore e Cultura sejam omemoradas como um conjunto de temáticas que devem constar dos conteúdos das várias disciplinas, pois configuram expressões em diferentes linguagens - a da palavra, a da música, a do corpo - bem como técnicas, cuja prática implica acumulação e transmissão de saberes e conhecimentos hoje sistematizados pelas Ciências. Instruir os professores para que motivem seus alunos, em tais datas, a estudar manifestações do seu próprio universo cultural.
13. Estreitar o contato das Comissões Estaduais de Folclore com diferentes instituições de 1º, 2º e 3º graus, para estabelecer e/ou atualizar programas regulares de cursos sobre pesquisa e ensino de Folclore.
14. Promover a articulação entre pesquisadores e professores no sentido da participação na coleta e organização de coletâneas que reflitam as diversidades culturais regionais, com vistas à sua divulgação, valorização e aproveitamento didático do acervo folclórico.
15. Realizar o levantamento mais completo possível do cancioneiro folclórico, das danças e dos brinquedos e brincadeiras infantis, considerando-os fatores de educação, de desenvolvimento do gosto pela música/dança e de sociabilidade, valorizando-se o material tradicional com vistas ao seu aproveitamento no processo educativo. As canções devem ser transmitidas em pauta musical com o respectivo texto e as demais indicações necessárias: tessitura conveniente para voz infantil, detalhes da prosódia musical, eventual movimentação.
16. Incentivar a produção de textos e outros recursos em linguagem acessível ao leigo, bem como a produção de textos para deficiente visual e/ou auditivo, recorrendo-se para a sua divulgação a veículos diversos: publicações acadêmicas, revistas de educação, programas de rádio e televisão, programas produzidos pelas televisões educativas e publicações paradidáticas
17. Realizar seminários, congressos etc. para apresentação e discussão de relatos de experiências pedagógicas e resultados de pesquisas. 18. Reconhecer a diversidade lingüística do Brasil e respeitar, sem discriminação, os falantes procedentes das várias regiões e de todas as camadas sócio-culturais.
Capítulo IV - DOCUMENTAÇÃO
1. Reconhece-se a importância da documentação folclórica em todos os seus aspectos, utilizando-se dos meios tecnológicos específicos.
2. Recomenda-se o levantamento do calendário folclórico em âmbito estadual, mediante a articulação com os grupos e órgãos locais.
3. Recomenda-se que a documentação deve ficar sob a guarda de instituições apropriadas, ligadas ao estudo e à pesquisa do folclore, como museus, fundações, universidades e outros centros de documentação.
Capítulo V - SALVAGUARDA E PROMOÇÃO
1. Reconhece-se a importância do apoio às manifestações folclóricas. Esse apoio deve-se dar, sobretudo, no sentido de assegurar as condições sociais e naturais aos homens para garantir o florescimento de suas expressões culturais dinâmicas.
2. Recomenda-se que as Comissões Estaduais se articulem com os órgãos locais para realização de pesquisas e outras atividades que visem a promoção e a salvaguarda dos portadores e de grupos folclóricos de qualquer natureza.
3. Reconhece-se a necessidade de fortalecimento dos organismos oficiais, de caráter nacional, estadual e municipal que se destinam à defesa do patrimônio folclórico do Brasil.
Capítulo VI - DIREITO DO AUTOR
1. Recomenda-se adotar providências adequadas à defesa do patrimônio musical folclórico, particularmente no caso das melodias de domínio público, dos folhetos de cordel, impedindo a apropriação dos mesmos por terceiros, realizando-se o procedimento de registro em órgãos competentes.
2. Instrumentalizar as Comissões Estaduais para iniciarem o registro do patrimônio musical de suas regiões.
3. Recomendar a indicação da procedência dos temas folclóricos nas composições que contenham esses temas em qualquer de seus aspectos.
4. Zelar pelo direito dos artesãos e artistas populares de livremente estipularem o valor de suas obras e do mesmo modo zelar e respeitar o direito de imagem que lhes deve ser conferido.
Capítulo VII - EVENTO
Recomenda-se:
1. Divulgar o calendário nacional de atividades culturais, em particular de eventos ligados à estrutura global das comunidades - considerando aspectos da economia, da ordem política e cultural - informando, além do registro cronológico das festas tradicionais, outros dados referentes à historicidade e estrutura da manifestação,detalhes dos participantes, importância para o contexto etc.
2. Prestigiar e divulgar as manifestações artísticas representativas das diferentes comunidades.
3. Respeitar os interesses dos representantes da cultura popular nas decisões relacionadas à dinâmica de suas manifestações, sem atitudes paternalistas nem imposição de modelos alheios ao próprio folclore.
2. Promover Semanas de Folclore.
Capítulo VIII - TURISMO
Reconhece-se que a relação folclore e turismo é uma realidade. O turismo pode atuar como divulgador do folclore e como fonte de recursos para o crescimento da economia local, o que pode significar melhoria da qualidade de vida das camadas populares. Esta relação, porém, precisa ser avaliada no sentido de resguardar os agentes da cultura popular das pressões econômicas e políticas.
Capítulo IX - GRUPOS PARAFOLCLÓRICOS
1. São assim chamados os grupos que apresentam folguedos e danças folclóricas, cujos integrantes, em sua maioria, não são portadores das tradições representadas, se organizam formalmente, e aprendem as danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns casos, exclusivamente bibliográfico e de modo não espontâneo.
2. Recomenda-se que tais grupos não concorram em nenhuma circunstância com os grupos populares e que em suas apresentações, seja esclarecido aos espectadores que seus espetáculos constituem recriações e aproveitamento das manifestações folclóricas.
3. Os grupos parafolclóricos constituem uma alternativa para a prática de ensino e para a divulgação das tradições folclóricas, tanto para fins educativos como para atendimento a eventos turísticos e culturais.
Capítulo X - COMUNICAÇÃO DE MASSA
Reconhece-se que não se pode mais desconsiderar o papel desempenhado pela comunicação de massa na dinâmica do folclore, tanto pela divulgação descontextualizante, quanto pela influência ideológica de valores que lhe são próprios. Recomenda-se o estudo das interrelações do folclore com os fatos da cultura de massa e, em especial, com as interferências, aproveitamentos e reelaborações recíprocas.
Capítulo XI - PUBLICAÇÕES
1. Reconhece-se a necessidade da edição de obras sobre o folclore brasileiro e traduções de obras científicas em que se encontrem estudos e/ou pesquisas relevantes, além da reedição de livros fundamentais.
2. Reconhece-se a necessidade da divulgação dos estudos sobre as manifestações folclóricas através de todos os meios e recursos disponíveis.
Capítulo XII - INTERCÂMBIO
Considera-se de grande importância o intercâmbio entre estudiosos, pesquisadores e instituições afins, objetivando a mais ampla troca de informações, em âmbito nacional e internacional. Para tanto, recomenda-se a realização periódica de encontros, seminários, simpósios e congressos, nacionais e internacionais.
COMISSÃO NACIONAL DE FOLCLORE
Capítulo XIII - SUBCOMISSÕES
Recomenda-se às Comissões Estaduais estimular a criação de comissões municipais de folclore que poderão se assim o quiserem, se vincular à Comissão Estadual.
Capítulo XIV - HIERARQUIAS
Recomenda-se atuar junto às autoridades religiosas, políticas, policiais e educacionais no sentido do reconhecimento, prestígio e respeito às várias formas populares de expressão cultural.
Capítulo XV - RECURSOS FINANCEIROS
Reconhece-se a necessidade de recursos financeiros para a realização de pesquisas e ações de divulgação e apoio ao campo do folclore. Para isso, sugere-se a sua captaçãojunto às instituições oficiais de financiamento, bem como o desenvolvimento de mecanismos de parceria com a iniciativa privada.
Salvador, Bahia, 16 de dezembro de 1995.